Criação do roteiro

E se alguém conseguisse ver a linha vermelha do destino?

Foi a partir dessa hipótese que surgiu a história do Dilema Vermelho. Todavia, quando ela foi indagada pela primeira vez, não se levava em consideração no que isso realmente implicaria. Num mundo onde se vive um amor líquido, não seria estranho que uma pessoa com tal dom visse essa habilidade como uma maldição.

Como iniciar um relacionamento se você sabe que não vai ser para sempre? Vale a pena? E mesmo que a pessoa evitasse o que ela faria se mesmo assim se apaixonasse?

Nessa possibilidade havia conflito, e se há conflito, há potencial para uma história.

Nos gêneros, segundo McKee, essa diretriz poderia indicar um romance, ou uma comédia romântica, ou também um Drama.

Entretanto, foi nos gêneros de Blake Snyder que a ideia da história se tornou mais clara. Dilema Vermelho era uma história de rito de passagem.

Enquanto todas as pessoas aprendem sobre o amor, tentando, se arriscando, essa protagonista veria com horror e fascínio essas tentativas de se conectar com alguém, sem nunca realmente entender de fato o que é um relacionamento.

E essa é a essência de uma história de Rito de Passagem. Segundo Snyder, todos ao redor do personagem sabem “a piada” exceto o protagonista. No final, esses contos são sobre se render, a vitória vencida por desistir a forças mais fortes do que nós mesmos. (SNYDER, 2005, p.33, tradução nossa)

Para reforçar a ideia de imaturidade do personagem, uma adolescente saindo da puberdade parecia ideal, entretanto, a ideia de colocar ela entre o limiar da adolescência e vida adulta, uma aluna do terceiro ano do ensino médio, aumentaria muito mais seus conflitos internos.

Essa fase da vida é cheia de perguntas, medos e pressões. Idealmente a personagem superaria esses problemas junto de seus próprios dilemas internos conquistando, ao final da história a vida adulta e inteligência emocional.

Portanto, em uma frase, qual é a história?

“Uma pessimista jovem com o poder de ver as linhas do destino percebe que se apaixonou pela pessoa errada.” — Dilema Vermelho

Mas quem seria essa jovem pessimista?

A escolhida foi Lena Megumi Takahashi, uma jovem de 17 anos, cursando o último ano do ensino médio. A princípio ela surgiu bem tímida e calada, mas com as idas e vindas do roteiro, ela se tornou uma personagem risonha e bem mais decidida!

Com a logline e protagonista definido, se iniciou o processo de concepção de cenas em post-its, colando-os nas quatro portas do guarda-roupa, a board.

Cada porta era um ato e nas duas portas centrais extras foi colocado uma caracterização básica dos personagens, a logline, os gêneros de Snyder e McKee e o nome da história. Era este o local que devia olhar toda vez que o motivo da trama começasse a se perder no meio das cenas.

Por fim, a primeira versão do roteiro ficou pronta. E foi um fracasso.

Os personagens eram fracos, sem personalidade, a progressão era lenta, os diálogos extensos e desnecessários. A protagonista, ao invés de estar sofrendo um profundo dilema moral, parecia mais alguém fazendo frescura com os sentimentos de seu interesse romântico. Enfim, ninguém gostou dela.

A história voltou para o board, e foi através do livro de Weiland que o maior erro da protagonista foi apontado. O dilema moral dela não parecia real, pois a mentira que ela acreditava não estava bem definida. E bem, a verdade também não estava bem definida.

A primeira mentira identificada foi a que surgiu com a separação dos pais de Lena. Um episódio que antes que era só um evento jogado do passado da personagem, acabou alcançando um novo nível de importância ao identificar a mentira.

Os relacionamentos de pessoas que não estão conectados não vão durar, e por isso não devem começar. Relacionamentos que não são destinados são perdas de tempo. O amor que não é eterno, não é amor.

E estabelecendo as mentiras, as verdades foram surgindo:

Independente da duração de um relacionamento, o amor é genuíno. O tempo que passamos com quem amamos, não é uma perda de tempo. Que o amor seja eterno enquanto dure. E que sempre existirá um próximo amor.

Por fim, a existência do fio vermelho pode parecer cruel por só existir um destino, entretanto, é também uma esperança, pois existe alguém.

E assim, Lena ganhou um novo nível de complexidade e suas ações ganharam maior credibilidade e empatia com o público. Entretanto, apesar dessas muitas verdades descobertas, uma se encontrava oculta e era ela que minava a empatia do público com a personagem principal. Ainda havia algo de errado com ela. E por consequência com os outros personagens.

Apesar de todas as supostas dúvidas, inseguranças e pressões características da idade de Lena, a única coisa que a protagonista se martirizava dia e noite era uma: devo iniciar um relacionamento com o meu interesse romântico ou não?

Nesse ritmo a história inteira seria somente a resposta a essa pergunta. Sem perceber, a personagem ficou definida por um sentimento. Sem ele se tornava claro o quão superficial eram suas motivações. No final, qual era verdade oculta sentida pelo público?

A protagonista não tinha amor próprio. Ela não tinha sonhos, motivações ou aspirações, assim como todos os outros personagens secundários ao seu redor. Somente querer o amor de seu interesse romântico não era o suficiente para torna-la genuína. Foi um erro duro de aceitar, pois o sentimento maternal tentava arranjar desculpas para a personagem, entretanto, a partir do momento que ele foi aceito, o roteiro foi para a board pela última vez.

A história foi reestruturada de forma que ela ganhasse outro significado: É preciso amar a si mesmo para encontrar o amor.

 

Não existe vilão

Ou pelo menos, não uma personificação dele.

Na categoria das histórias de amor, um recurso comum para criar tensão num relacionamento é o triângulo amoroso. Geralmente existe uma terceira pessoa que também deseja um relacionamento com um dos membros do par romântico. Ao implicar que o fio vermelho do interesse romântico de Lena, Diego, não está conectado a ela, cria a existência de uma terceira pessoa, nesse caso, a personagem Vitória.

Geralmente a terceira pessoa de um triângulo amoroso, principalmente quando ela entra depois, não é bem recebida, e muitas vezes é alvo de ódio do público. Todavia, Vitória não é somente a terceira pessoa, ela é a parceira destinada de Diego. Somente a existência dela causa a tensão necessária e, portanto, não é preciso demonizá-la. Na verdade, o fato que ela é uma boa pessoa é mais um dilema para Lena.

O interessante é que não importa quando Vitória chegasse à história, ela mudaria completamente a dinâmica da narrativa. O problema era em qual ponto dramático da estrutura ela deveria entrar. Dessa forma, a chegada de Vitória foi o post-it que mais dançou por todo o board, e não importa onde ele parasse, a história toda mudava para acomodar ele.

A chegada de Vitória já foi um catalisador, ou seja, aquele que inicia o arco da protagonista, o midpoint, que muda o mundo da personagem de cabeça para baixo e por fim terminou no final da segunda metade do segundo ato, o momento que causa o maior desespero de um personagem. Uma cena pode ser impactante por si só, mas saber onde coloca-la faz toda a diferença.

 

O jardim simbólico de Lena

Tanto McKee quanto Snyder falam sobre o importante papel do simbolismo numa história. Coincidentemente ele só foi encontrado na última versão do roteiro, junto do amor próprio.

Durante a caracterização dos pais de Lena, o pai de Lena se tornou um agrônomo, justificando o motivo dele mudar de cidade no início da história e por consequência se separar da mãe de Lena.

Na despedida dos dois, eles plantam uma árvore no jardim da casa, aquela que somente a mãe e ela viverão pelos próximos anos. E é nesse momento que Lena tem certeza que seus pais vão se separar e é dessa separação que nasce o fantasma de Lena.

Desde então o jardim não foi mais cuidado. Isso só muda quando o arco da personagem começa e Lena toma para si a responsabilidade de renová-lo, traçando um paralelo entre seu arco de personagem e a revitalização do jardim.

 

Roteiro estilo Marvel

A princípio, o roteiro de Dilema Vermelho foi escrito de forma convencional, ou seja, um roteiro fechado com falas, descrição de cenário, semelhante a um roteiro para cinema. Entretanto, esse tipo de roteiro não só tinha diálogos muito extensos que não se encaixavam depois no layout, como também não conseguiam prever momentos que as palavras não seriam necessárias devido a construção da cena e expressão dos personagens.

Depois de reescrever o roteiro mais de uma vez e o problema se repetir, foi necessário buscar uma forma alternativa, onde poderia ter mais controle da progressão da cena levando em consideração os recursos narrativos de um quadrinho.

A solução surgiu com o estilo Marvel de roteiro, apresentado no livro de Brian Michael Bendis. O estilo surgiu do trabalho de Stan Lee com seus colaboradores nos anos 60 enquanto trabalhavam para Marvel Comics.

“Um roteiro Estilo Marvel é geralmente uma ou uma página e meia descrevendo a história inteira de uma edição. O artista deve então quebrar a história em páginas e quadros [..]” (BENDIS, 2014, p.32, tradução nossa)

A desvantagem dele é que o artista supostamente tem um trabalho muito pesado. Entretanto, como todas as funções do webtoon estavam concentradas em uma única pessoa, se tornou mais simples utilizar os beats dispostos no board para direcionar a sequência de quadros, elaborando os diálogos conforme criava cada painel.

Afinal, “Escrever quadrinhos não são só palavras. É sobre imagens, escrever com imagens.” (SCHUTZ, 2014, p.152, tradução nossa)